Cristo Pantocrator

domingo, 20 de janeiro de 2013

As sete formas de disciplina corporal

Essa postagem é continuação da postagem anterior (pags. 89 a 93). Como o próprio São Pedro de Damasco separa esse ítem em um tópico, resolvi, como já referido anteriormente, postar cada ítem de modo independente.


As sete formas de disciplina corporal 

A primeira destas formas de disciplina consiste na quietude (hesychia), ou na vida sem distrações, longe dos cuidados mundanos. Ao nos distanciarmos da sociedade humana e da distração, nós escapamos do tumulto e daquele que "anda ao nosso redor como um leão, procurando a quem devorar" (1 Pedro 5:8) por meio de conversa fiada e das preocupações da vida. A despeito disso, temos apenas um interesse: fazer a vontade de Deus e preparar nossa alma para que ela não seja condenada quando morrermos; e com completa atenção aprender sobre as ciladas dos demônios e sobre nossas próprias faltas que, sendo mais numerosas que as areias do mar e como pó de tão finas, passam desapercebidas da maioria das pessoas. Mesmo em luto, nos afligimos com questões humanas mas somos confortados por Deus. Nossa gratidão nos encoraja, porque chegamos a ver o que ninguém que vive fora da cela jamais teve a esperança de perceber. Ao reconhecermos nossa própria fraqueza e o poder de Deus, estamos repletos de medo e esperança, de modo que não caímos por nossa própria ignorância por excesso de confiança em nós, e quando algum infortúnio nos acomete, não caímos em desespero porque temos esquecido a compaixão de Deus. 

A segunda forma de disciplina corporal consiste em jejum moderado. Nós devemos comer uma vez por dia e não chegar ao ponto da saciedade. Nós devemos comer um tipo de comida simples e acessível - se possível, um tipo de comida que não saboreamos particularmente. Deste modo, vencemos a gula, a ganância e o desejo, e vivemos sem distração. Mas nós não devemos recusar qualquer tipo de comida, para que nós erroneamente rejeitemos coisas que, sendo criadas por Deus, são "completamente boas e belas (kalos)" (Gênesis 1:31). Nem devemos engolir tudo de uma vez, com indulgência e sem restrição; mas a cada dia devemos comer um tipo de coisa com auto-controle. Deevemos usar todas as coisas para a glória de Deus, e não devemos recusar qualquer coisa no fundamento de que seja mal, como fazem os malditos hereges. Deevemos beber vinho quando apropriado: em idade avançada, doença e frio, ele é de muita ajuda, mas deve ser bebido apenas em pequenas quantidades. Quando somos jovens e de boa saúde, e se o tempo é quente, água é melhor, ainda que devamos bebê-la o mínimo possível. Pois a sede é a melhor de todas as disciplinas corporais.   

A terceira forma de disciplina consiste nas vigílias moderadas. Deevemos dormir metade da noite e a outra metade devemos devotar à recitação dos salmos, à oração e ao lamento lacrimoso. Através desse criterioso jejum e vigília o corpo se tornará flexível para a alma, saudável e pronto para todo trabalho, enquanto a alma ganhará em fortaleza e iluminação, como veremos, e fará o que é certo.

A quarta forma de disciplina corporal consiste na recitação dos salmos - isto é, na oração expressa de maneira corpórea por meio de salmos e prostrações. Isto ajuda a bílis do corpo e torna humilde a alma, de maneira que nosso inimigos, os demônios, possam sair correndo e os nossos aliados, os anjos possam chegar e possamos conhecer de onde vem a ajuda. De outro modo, na ignorância, nós crescemos arrogantes, pensando que isso é devido a nós mesmos. Se isso acontece, somos abandonados por Deus, para que possamos conhecer nossa própria fraqueza.  

A quinta forma de disciplina consiste na oração espiritual, oração que é oferecida pelo intelecto e que liberta de todos os pensamentos. Durante tal oração o intelecto se concentra nas palavras recitadas e inexprimivelmente contrito, humilha-se diante de Deus, pedindo apenas que Sua vontade se realize em todas as atividades e obras. Não prestar atenção em qualquer pensamento, forma, cor, luz, fogo, ou qualquer coisa deste tipo; mas, consciente de que se é observado por Deus e comunicando-se com Ele apenas, libertar-se de forma, cor e figura. Tal oração pura é apropriada para aqueles ainda engajados em práticas ascéticas; para o contemplativo há ainda formas superiores de oração. 

A sexta forma de disciplina consiste na leitura dos escritos e da biografia dos padres, não prestando atenção às doutrinas estranhas, ou a outras pesoas, em especial aos heréticos.  Neste sentido, aprendemos das Divinas Escrituras e da discriminação dos padres como vencer as paixões e adquirir virtude. Nossos intelectos serão plenificados com pensamentos do Espírito Santo, e esqueceremos as palavras e atitudes indecorosas às quais dávamos atenção antes de nos tornarmos monges. Mais ainda, por meio de profunda comunhão na oração e na leitura silenciosa, seremos capazes de compreender significados preciosos; pois a oração é ajudada pela leitura tranquila, e a leitura é ajudada pela pura oração, já que assim prestamos atenção ao que está sendo dito e não lemos e recitamos sem zelo. É verdadeiro, porém, que não podemos propriamente entender a plena significação do que lemos por causa da escuridão induzida pelas paixões; nossa presunção frequentemente nos extravia, especialmente quando nós contamos com a sabedoria deste mundo que julgamos possuir, e que não percebe que precisamos de conhecimento baseado na experiência para entender tais coisas, e que não basta obter conhecimento de Deus pela mera leitura e ouvir dizer. Pois leitura e ouvir dizer são uma coisa, experiência é outra. Ninguém pode se tornar um artífice pelo mero ouvir dizer: tem de praticar e observar, e mesmo cometer numerosos erros, e ser corrigido por aqueles com experiência, assim que por meio de longa perseverança e pela eliminação dos próprios desejos, se torne eventualmente mestre na arte. De modo similar, o conhecimento espiritual não é adquirido simplesmente mediante estudo, mas é dado por Deus através da graça ao homem humilde. Que uma pessoa na leitura das Escrituras possa pensar que entende parcialmente seu significado não precisa causar surpresa, especialmente se tal pessoa está engajada na prática ascética. Mas ela não possui o conhecimento de Deus; ela simplesmente ouve as palavras de quem posui tal conhecimento. Escritores como os profetas frequentemente tinham posse íntima do divino conhecimento, mas os escritores ordinários não possuem. Isso acontece no meu próprio caso: eu recolhi material das Sagradas Escrituras, mas não fui julgado digno de aprender isso diretamente do Espírito Santo; eu tive de aprender apenas daqueles que aprenderam diretamente do Espírito Santo. É como aprender sobre uma pessoa ou uma cidade a partir daqueles que as viram. 

A sétima forma de disciplina corporal consiste em perguntar àqueles com experiência sobre todos os nossos pensamentos e ações, no caso de nos desviarmos por conta de nossa inexperiência e auto-satisfação, pensando e fazendo uma coisa e depois outra, e assim nos tornarmos presunçosos, imaginado que conhecemos como deveríamos, ainda que não saibamos nada, como diz São Paulo (cf. I Cor 8: 2).

Em adição à prática das sete disciplinas corporais, devemos pacientemente suportar tudo que Deus permite que nos aconteça para que assim possamos aprender e ganhar experiência e conhecimento de nossa fraqueza. Não devemos nem ousar demais nem cair no desespero, o que quer que nos aconteça, se coisa boa ou má. Nós devemos repudiar todo sonho e toda palavra ou ação inútil, e devemos sempre meditar no nome de Deus, a todo momento, em todo lugar, em tudo o que fizermos, como algo mais precioso que o próprio respirar. E devemos sinceramente nos humilhar diante de Deus, retirando do intelecto todo pensamento mundano, procurando apenas que a vontade de Deus seja feita. Então o intelecto perceberá que suas faltas são como as areias do mar. Este é o início da iluminação da alma e sinal de sua saúde: a alma se torna contrita e o coração humilde, e verdadeiramente se reconhece como a menor das coisas. Então começamos a entender as bençãos de Deus, se particulares ou abrangentes, de que fala as Sagradas Escrituras; e começamos a entender também nossas próprias ofensas. Começamos a guardar todos os mandamentos, do primeiro ao último, plenamente conscientes do que estamos fazendo. Pois o Senhor os estabeleceu como uma escada, e nós não podemos pular um degrau e ir para o próximo: como passos, nós devemos ir gradualmente do primeiro ao segundo, do segundo ao terceiro e assim por diante. No final, eles farão do homem um deus, através da graça DAquele que deu os mandamentos para aqueles que escolheram guardá-los.   

  

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