Cristo Pantocrator

domingo, 6 de novembro de 2016



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domingo, 6 de dezembro de 2015

Segunda Centúria

Continuação do post anterior...
São Máximo, o Confessor




Segunda centúria:
1) Cristo mencionou o cálice antes do batismo (cf. Mateus 20:22) porque a virtude existe por causa da verdade e não a verdade por causa da virtude. Assim, aquele que pratica a virtude por causa da verdade não é ferido pelas setas da autoestima; mas aquele que persegue a verdade por causa das virtudes abriga em si presunção que gera autoestima.

2) Verdade é conhecimento divino, e virtude é luta pela verdade da parte daqueles que a desejam. Um homem que suporta os labores da virtude por causa do conhecimento não tem vã glória, porque ele sabe que a verdade não pode ser apreendida naturalmente através de esforços humanos. Pois não está na natureza das coisas que o que é primordial seja circunscrito pelo que é secundário. No entanto, um homem que espera alcançar o conhecimento por meio da luta que ele trava por causa da virtude invariavelmente sofre de autoestima, porque imagina que ele ganhou a vitória antes de ter suado por ela. Ele não sabe que  ascese existe por causa da coroa, mas a coroa não existe por causa da ascese. Pois por natureza todo método espiritual cessa para ser praticado uma vez que a proposta  ou conhecimento pelos quais ele foi pretendido foram alcançados.

3) Aquele que procura apenas uma forma de conhecimento exterior, isto é, o conhecimento que é meramente teorético, e persegue a semelhança da virtude, ou seja, uma moralidade meramente teórica, se ensoberbece, tem uma sabedoria judaica, com apenas a imagem da verdade.

4) Aquele que não compreendeu a Lei apenas pelos sentidos, ou seja, exteriormente, mas noeticamente penetra todo o símbolo visível e minuciosamente assimila o princípio divino que está oculto em cada parte dEla, encontra Deus na Lei. Pois ele corretamente usa seu intelecto para tatear entre as formas materiais da Lei na esperança de encontrar em algum lugar em seu corpo a pérola ou princípio que escapa completamente aos sentidos (cf. Mateus 13: 45-46).

5) Novamente, aquele que não limita a sua percepção à natureza das coisas visíveis àquilo que os seus sentidos apenas podem observar, mas procura sabiamente com seu intelecto a essência que jaz em toda a criatura, também encontra Deus; pois da magnificência manifesta dos entes criados, ele aprende quem é a Causa de seu ser.

6) Discriminação é a característica distintiva daquele que investiga. Ele que examina os símbolos da Lei de um modo espiritual, e que contempla a natureza visível dos seres criados com inteligência, discriminará na Escritura entre a letra e o espírito, na criação entre as essências internas e a aparência externa, e nele mesmo entre o intelecto e os sentidos; na Escritura ele escolherá o Espírito, na criação a essência interna ou Logos, e nele mesmo o Intelecto. Se então ele une estes indissolúveis uns aos outros, ele terá encontrado Deus: ele reconhecerá, na medida do possível, o Deus que é Intelecto, Logos e Espírito. Neste sentido, ele será libertado de todas as coisas que enganam os homens e os seduzem a inumeráveis erros - libertar-se-á da letra, a aparência externa das coisas, e dos sentidos, de tudo aquilo que apresenta distinções quantitativas e negam a unidade. Mas se um homem vive à Lei pela letra, se guia pela aparência externa das coisas sensíveis, e para tudo se serve apenas de seus sentidos, ele é 'tão míope quanto cego' (2 Pedro 1:9), doente de sua própria ignorância da Causa dos seres criados.

7) O apóstolo nos dá a seguinte definição de fé: 'A Fé é o fundamento das coisas que esperamos e dá provas do que não se vê' (Hebreus 11:1). Pode-se também justamente defini-la como uma benção enraizada ou um verdadeiro conhecimento que revela bençãos inexprimíveis.

8) Fé é um poder ou relação que traz união imediata, perfeita e sobrenatural do crente com Deus em quem ele crê.

9) Já que o homem é composto de corpo e alma, ele é movido por duas leis, aquela da carne e a do Espírito (cf. Romanos 7:23). As leis da carne operam em virtude dos sentidos; as leis do Espírito operam em virtude do intelecto. A primeira lei, que opera em virtude dos sentidos, automaticamente cega aquele que aproxima-se à matéria; a segunda lei, operando em virtude do intelecto, traz união direta com Deus. Supondo que há alguém em seu coração (cf. Marcos 11: 23) - que é um desapegado, ou melhor, um deificado através de sua união com Deus pela fé: então é quase natural que tal pessoa diga à montanha, "Vá a outro lugar" e ela irá (cf. Mateus 17:20). A montanha indica aqui a vontade e a lei da carne, que é pesada e difícil de deslocar, e de fato, tão longe quanto compete aos nossos poderes naturais, ela é totalmente imóvel e inabalável.

10) A capacidade para a estupidez está tão enraizada na natureza humana por meio dos sentidos, que a maioria realmente pensa que o homem não é nada além de carne, que apenas possui faculdades sensíveis as quais ele pode gozar nesta vida presente.

11) "Tudo é possível aquele que crê", dizem as Escrituras (Marcos 9:23) e sem dúvida - isto quer dizer para a pessoa que não está dominada pelo vínculo da alma com o corpo através dos sentidos, e não se separa de sua união com Deus cuja fé O traz por meio do intelecto. O que quer que aliene o intelecto do mundo e da carne, é perfeito para o avanço espiritual, para nos aproximarmos de Deus. Isto é o que deve ser entendido e implicado ao se dizer, 'Tudo é possível aquele que crê'.

12) Fé é um conhecimento que não pode ser racionalmente demonstrado. Se tal conhecimento não pode ser racionalmente demonstrado, então a fé é uma relação sobrenatural através da qual, de uma maneira incognoscível e indemonstrável, estamos unidos a Deus em uma união que está além da intelecção.

13) Quando o intelecto está em união direta a Deus, a qualidade em virtude da qual ele apreende ou é apreendido está completamente inativa. Na medida em que ele ativa esta qualidade por apreender alguma coisa que segue a Deus, ele sente dúvida e divide a união além da intelecção. Contanto que o intelecto goze desta união com Deus, ele irá além da natureza e tornar-se-á Deus por participação, e terá transportado a lei de sua natureza como se transportasse uma montanha imóvel.

14) Aquele que começou a seguir um caminho santo de vida, e recebeu instrução sobre como agir corretamente, devota-se totalmente à prática das virtudes em obediência e fé, nutrindo a si mesmo, como se na carne, ou seja, em seu aspecto manifesto, o treinamento moral. Os princípios internos dos mandamentos que constituem o conhecimento perfeito dependem da fé abandonada a Deus, mas não conseguem abraçar a magnitude da fé.

15) O homem perfeito, que passou para além da categoria dos iniciantes e também dos que estão avançando, não é ignorante dos princípios internos das ações que ele realiza ao cumprir os mandamentos. Pelo contrário, ele bebe primeiro espiritualmente daqueles princípios e então por meio de suas ações alimenta todo o corpo de virtudes. Neste sentido, ele transpõe para o plano do conhecimento espiritual as ações que ele realizou no plano sensível.

16) O senhor disse: 'Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça' (Mateus 6:33), isto é, procure o conhecimento da verdade antes de todas as coisas, e consequentemente procure treinar-se nos métodos apropriados de atingi-la. Ao dizer isto, ele mostrou claramente que os crentes devem apenas procurar o conhecimento divino e a virtude que o adorna com ações correspondentes.

17) Muitas são as coisas que o crente tem necessidade para obter o conhecimento de Deus e a virtude: livrar-se das paixões, paciência para aceitar as provações, os princípios internos das virtudes, a prática do método da guerra espiritual, desenraizamento da alma de suas predileções da carne, a quebra da união entre os sentidos e os objetos criados; e, em suma, há incontáveis outras coisas que nos ajudam a rejeitar o pecado e a ignorância e a obter o conhecimento e a virtude. Foi certamente por causa disso que o Senhor disse, "O que quer que peçais na oração, com fé, recebereis" (Mateus 21:22) estabelecendo simplesmente que o devoto deve procurar e pedir com entendimento e fé por todas as coisas, e por estas apenas, que conduzem à virtude e ao conhecimento de Deus. Pois todas estas coisas são proveitosas e inquestionavelmente o Senhor dá aqueles que o pedem.



18) Assim, aquele que apenas por causa da fé - isto quer dizer, por causa da união direta com Deus - procura todas as coisas que contribuem para esta união inquestionavelmente as receberá. Aquele que procura ou as coisas que mencionamos ou outras coisas sem este motivo não os receberá. Pois não tem fé, e como um descrente usa as coisas divinas para impulsionar a própria glória.

19) Aquele que expurga sua vontade da corrupção do pecado destrói a atividade corruptora que causa a corrupção. Pois quando o livre arbítrio está livre da corrupção, ele previne a natureza de ser corrompida por forças hostis e a mantém incorrupta através da graça providencial do Espírito nela.

20) Já que os princípios da natureza e da graça não são um único e o mesmo, não deveríamos nos surpreender se certos santos algumas vezes resistem às paixões e algumas vezes sucumbem a elas; pois nós sabemos que o milagre da resistência é devido à Graça, enquanto as paixões pertencem à Natureza.

21) Aquele que mantém em sua mente o caminho dos santos ao imitá-los, não apenas chacoalha a paralisia mortal das paixões como recupera a vida das virtudes.

22) Deus, que antes de todas as eras definiu os limites da vida de cada homem, do modo que Ele quis, conduz todo homem, se justo ou injusto, para o desfecho final que ele merece.

23) Como estabelecido, a tempestade escura que sucedeu a São Paulo (Atos 28: 1-4) é o peso das provações involuntárias e das tentações. A ilha é o estado firme e inabalável da esperança divina. O fogo é o estado do conhecimento espiritual. Os gravetos são a natureza das coisas visíveis. Paulo os sacudiu com suas mãos, que é a capacidade exploratória do intelecto durante a contemplação. Ele alimentou o estado de conhecimento espiritual com as imagens conceituais derivadas da natureza das coisas visíveis, pois o estado do conhecimento espiritual cura o abatimento produzido pela tempestade das provações e tentações. A víbora é o poder destrutivo e astuto ocultado secretamente na natureza das coisas sensíveis. Ela morde a mão, isto é, a atividade noética exploratória da contemplação, mas sem prejudicar o intelecto visionário; e isto, à luz do conhecimento espiritual, como se com fogo, ele destruísse por sua vez o poder destrutivo que nasce de uma contemplação das coisas sensíveis e que se une à atividade do intelecto. 

24) São Paulo foi um 'cheiro de vida para a vida' (2 Coríntios 2:16) porque ele inspirou a fé por seu próprio exemplo de experiência da fragrância das virtudes ao colocá-las em prática, ou porque como um pregador ele conduziu àqueles que foram convertidos pela palavra da Graça da vida dos sentidos para a vida do Espírito. 'O cheiro da morte conduz à morte' (ibid) dá um sentido de sua futura condenação para aqueles que vão da morte pela ignorância para a morte pela descrença. Ou, alternativamente, o 'cheio da vida conduz à vida' se refere àqueles que avançaram na vida da prática ascética para a prática contemplativa, e o 'cheiro da morte, conduz à morte' se refere àqueles que passaram da mortificação do que é terreno em suas naturezas (cf. Colossenses 3:5) para a abençoada mortificação das imagens e fantasias conceituais apaixonadas. 

25) A alma tem três poderes: a inteligência, o poder abrasador e o desejo. Com nossa inteligência nós dirigimos nossa busca; com nosso desejo ansiamos a bondade celestial que é o objeto de nossa busca; e com o poder abrasador nós lutamos para obter nosso objeto. Com estes poderes, aqueles que amam a Deus aderem ao poder divino da virtude e do conhecimento espiritual. Procurando com o primeiro poder, desejando com o segundo e lutando pelo terceiro, recebe-se a nutrição incorruptível, enriquecendo o intelecto com o conhecimento espiritual dos entes criados.

26) Quando o Logos de Deus tornou-se homem, Ele preencheu a natureza humana novamente com o conhecimento espiritual que havia perdido; e preparando-a novamente contra a mutabilidade, Ele a deificiou, não em sua natureza essencial, mas em sua qualidade. Ele a marcou completamente com seu próprio Espírito, e adicionou vinho à água para que desse à água a qualidade do vinho. Pois El tornou-se verdadeiramente homem pela graça e Ele fez de nós deuses. 

27) Quando Deus criou a natureza humana, ao mesmo tempo que Ele lhe concedeu livre arbítrio Ele uniu ao livre arbítrio a capacidade de executar os deveres que lhe são impostos. Por esta capacidade quero dizer o impulso implantado na natureza humana no nível tanto do ser quanto da vontade livre: no nível do ser, o homem tem o poder de alcançar as virtudes; no nível do livre arbítrio, ele pode usar este poder corretamente. 

28) Nós temos como critério natural as leis da natureza. Isto nos ensina que, antes que nós possamos adquirir a sabedoria que jaz em todas as coisas, devamos através da iniciação mística procurar pelo seu Mestre.

29) O poço de Jacob é a Escritura (cf. João 4: 5-15). A água é o conhecimento espiritual que advém com a Escritura. A profundidade do poço é o significado, que apenas pode ser obtido com grande dificuldade, dos sentidos obscuros da Escritura. O balde é o aprendizado obtido dos escritos da palavra de Deus, que o Senhor não precisava possuir por ser o próprio Logos; e assim Ele não deu aos crentes o conhecimento que vem do estudo e do aprendizado, mas garantiu àqueles que julgava dignos a água perene da sabedoria que jorra da fonte da graça espiritual e que nunca seca. Pois o balde, isto é o aprendizado, pode apenas abarcar um pequeno montante de conhecimento e deixa para trás tudo o que não pode abarcar, ainda que se esforce. Mas o conhecimento que advém pela graça, sem estudo, contém toda a sabedoria que o homem pode alcançar, jorrando de diferentes sentidos de acordo com as suas necessidades.

30) Há uma diferença grande e inexprimível entre a árvore da vida e aquela que não é a árvore da vida. Isto é óbvio simplesmente pelo fato de que uma é chamada árvore da vida enquanto a outra é chamada árvore do conhecimento do bem e mal (Genesis 2: 9). Inquestionavelmente, a árvore da vida é produtora da vida; a árvore que não é chamada de árvore da vida não é produtora da vida e obviamente produz a morte. Pois apenas a morte é oposta à vida.

31) A árvore da vida, quando entendida como simbolizando sabedoria, difere grandemente da árvore do conhecimento do bem e mal, na medida em que a última nem simboliza sabedoria nem é dita dá-lo. Sabedoria é caracterizada pelo intelecto e inteligência, o estado que se opõe à sabedoria é a falta de inteligência e a sensação.

32) Já que o homem veio a ser composto de alma noética e corpo senciente, uma interpretação pode ser que a árvore da vida é a alma intelectual, que é o trono da sabedoria. A árvore do conhecimento do bem e mal seria então o poder das sensações corpóreas, que é claramente o trono dos impulsos impensados. O homem recebeu o mandamento divino de não se envolver ativamente e experiencialmente com estes impulsos; mas ele não manteve o mandamento.

33) Ambas as árvores na Escritura simbolizam o intelecto e os sentidos. Assim o intelecto tem o poder de discriminar entre o espiritual e o sensível, entre o eterno e o transitório. Ou de preferência, como poder discriminatório da alma, o intelecto persuade a alma a abrir caminho para o primeiro e transcender o segundo. Os sentidos têm o poder de discriminar entre o prazer e a dor no corpo. Ou antes, com um poder existente num corpo dotado de alma e percepção sensorial, eles persuadem o corpo a abraçar o prazer e rejeitar a dor. 

34) Se um homem exercita apenas o discernimento sensorial entre prazer e dor no corpo, assim transgredindo o mandamento divino, ele come do fruto do bem e do mal, isto é, ele sucumbe aos impulsos impensados que pertencem aos sentidos; pois ele possui apenas o poder do corpo de discernimento, que o conduz a abraçar o prazer como uma coisa boa e a rejeitar a dor como algo ruim. Mas se ele exercita apenas aquele discernimento noético que distingue entre o eterno e o transitório, fazendo-o conservar o divino mandamento, ele come da árvore da vida, isto é, da sabedoria que pertence ao intelecto; pois assim ele exercita apenas o poder de discernimento associado à alma, que o faz unido apenas à glória do que é eterno como o que é  realmente bom, e rejeitar a corrupção do que é transitório como algo ruim. 

35) A bondade na medida em que é envolvida pelo intelecto, é uma predileção desapegada do espírito; o mal é uma união passional com os sentidos. A bondade, na medida em que está envolvida com os sentidos é uma atividade apaixonada do corpo sob o estímulo do prazer; o mal é um estado destituído de qualquer atividade. 

36) Aquele que convence sua consciência a considerar o mal que ele faz como um bem por natureza, toma a árvore da vida de um modo repreensível e rejeita sua faculdade moral; pois ele age como se o mal fosse por natureza imortal. Por consequência Deus, que implantou na consciência do homem um ódio natural ao mal, extirpa-o da árvore da vida, já que ele se tornou mal por vontade e intenção próprias. Deus age neste sentido quando um homem erra deste modo, pois o homem não pode persuadir sua própria consciência de que o que é completamente mal é bom por natureza.

37) A videira produz vinho, o vinho embriaga e a embriaguez é uma forma de êxtase maligno. Do mesmo modo a inteligência - que é o vinho - quando bem nutrida e cultivada pelas virtudes, gera o conhecimento espiritual; e tal conhecimento produz uma boa forma de êxtase que capacita o intelecto a transcender sua união com os sentidos. 

38) A prática do mal maliciosamente confunde as formas e aspectos das coisas sensíveis com nossas imagens conceituais delas. Por meio destas formas e aspectos são geradas paixões pelos aspectos externos das coisas visíveis; e nossa energia intelectual, sendo interrompida no nível que pertence à percepção sensível, não pode levar-se ao reino das realidades inteligíveis. Neste sentido o mal despoja a alma e arrasta-a para dentro do tumulto das paixões. 

39) O Logos de Deus é ao mesmo tempo tanto uma lâmpada quanto uma luz (Cf. Salmo 119: 105; Provérbio, 6: 23). Pois Ele ilumina aqueles pensamentos de fé que estão em concordância com a natureza, mas queima aqueles que são contrários à natureza; Ele dissipa a escuridão da vida sensorial para aqueles que se esforçam em direção ao cumprimento dos mandamentos para a vida que esperam, mas pune com o fogo do juízo aqueles que intencionalmente se apegam à noite escura da vida presente por conta de seu amor pela carne. 

40) É dito que aquele não se reintegrou primeiro em seu próprio ser ao rejeitar aquelas paixões que são contrários à natureza não será reintegrado com a Causa de seu ser - isto é, com Deus - para adquirir benção supranatural através da Graça. Pois aquele que verdadeiramente se une a Deus deve primeiramente separar a si mesmo mentalmente das coisas criadas.

41) A função da Lei escrita é livrar os homens das paixões; da lei natural é garantir a todos os homens direitos iguais de acordo com a justiça natural. O cumprimento da lei natural é atingir similitude a Deus, na medida em que isto é possível aos homens.

42) O intelecto tem por natureza a capacidade de receber um conhecimento espiritual de coisas corpóreas e coisas incorpóreas; mas apenas por graça recebe revelações da Santíssima Trindade. Enquanto acredita que a Trindade existe, o intelecto humano nunca pode presumir compreender o que a Trindade é em Sua essência, no sentido que é conhecido pelo Intelecto divino. A pessoa sem conhecimento espiritual é completamente ignorante do sentido em que o pecado é purificado pela virtude. 

43) Aquele que ama a falsidade é entregue para ser perturbado por ela, e assim sofrendo ele possa vir a conhecer o que ele está voluntariamente perseguindo, e pela experiência possa aprender que ele abraçou erradamente a morte ao invés da vida.

44) Deus tem conhecimento apenas do que é bom, porque Ele é em essência a natureza e o conhecimento do que é bom. Ele é ignorante do mal porque ele não tem capacidade para o mal. Apenas aquelas coisas pelas quais por natureza Ele possui a capacidade de Ser ele também possui o conhecimento essencial. 

45) O peito mencionado em Levítico (cf. Levítico 7: 30,34) indica a mais alta forma de contemplação. O ombro (cf. Levítico 7: 32, 34) significa o estado mental e a atividade concordante com a vida da prática ascética. Assim o peito e o ombro denotam respetivamente o conhecimento espiritual e a virtude. Pois o conhecimento espiritual conduz o intelecto diretamente ao próprio Deus, enquanto a virtude na vida da prática ascética separa-o de todo envolvimento em geração. No texto em questão, peito e ombro foram postos ao lado para os sacerdotes, que sozinhos possuem o Senhor como sua herança para sempre e não compartilham de coisas terrenas. 

46) Aqueles plenamente dotados pelo Espírito com o conhecimento espiritual são capazes, por meio da pregação e da instrução, de tornar o coração dos demais receptivos à verdadeira fé e devoção, retirando sua disposição e capacidade de suas preocupações com coisas corruptíveis e dirigindo-se para a atualização das bençãos supranaturais e incorruptíveis. É portanto apropriado que o peito das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus _isto é, o coração daqueles que oferecem a si mesmos a Deus - e o ombro - isto é, sua vida de prática ascética - devam estar lado a lado na vida sacerdotal. 

47) Comparada com a justiça da era que vem, toda justiça terrena desempenha o papel de um espelho: ele contém a imagem das realidades arquetípicas, não as realidades elas mesmas como elas subsistem em sua verdadeira e universal natureza. E comparado com o conhecimento, todo conhecimento espiritual neste mundo é uma imagem indistinta: ela contém a reflexão da verdade mas não a verdade própria que foi destinada a ser revelada. (cf. I Cor. 13:12) 

48) Já que o que é divino consiste em virtude e conhecimento espiritual, o espelho desempenha os arquétipos da virtude e a imagem indistinta revela os arquétipos do conhecimento espiritual. 

49) Aquele que conformou sua vida à vontade de Deus através da prática das virtudes transpõe seu intelecto para o reino das realidades inteligíveis por meio da contemplação. Ao agir assim, ele se coloca além do alcance de tudo o que procura capturá-lo, e não é atraído através da imagem sensória para a morte que repousa nas paixões.  

50) A pessoa que com o claro olho da fé contempla a Beleza literalmente obedece o comando de deixar seu país e sua parentela e a casa de seu pai (cf. Gênesis 12: 1), e ele abandona a carne, os sentidos e as coisas sensíveis, junto com os apegos apaixonados e as inclinações. Em tempos de tentação e conflito ele age acima da Natureza, assim como Abraão preferiu Deus a Isaac. (cf. Gênesis 22: 1-14). 

51) Contanto que você não persiga a virtude ou estude a Santa Escritura por amor à Glória, como um disfarce de ganância (cf. Teesalonicenses 2:5) ou por amor à adulação e popularidade, ou por auto exibicionismo, mas faça, pense e diga coisas por amor a Deus, então você está caminhando com conhecimento espiritual e no sentido da verdade. Se, porém, você tiver preparado o caminho do Senhor, e não tiver seguido seus retos caminhos, Ele não habitará em você. (Isaías 40:3. LXX; Marcos 1:3).

52)  Se você jejua e rejeita um modo de vida que excita as paixões, e em geral faça qualquer coisa que o liberte do mal, então você 'preparou o caminho do Senhor'. Mas se você faz coisas por autoestima, ou ganância, ou por amor da adulação, ou por algum motivo similar, e não com um desejo de realizar a Vontade de Deus, então você não trilhou seus retos caminhos. Você realizou o labor de preparar o caminho, mas não deixou que Deus os trilhasse.

53) "Todo vale será preenchido" - e não "todo" sem qualificação, ou o "vale de todos", pois o texto não se refere ao vale daqueles que não prepararam o caminho do Senhor e trilharam seus retos caminhos. Por vale entende-se a carne ou alma daqueles que prepararam o caminho do Senhor e seguiram Seus retos caminhos do modo como eu expliquei. Quando tal vale foi preenchido com conhecimento espiritual e virtude pelo Logos Divino que, presente nos Seus Mandamentos, caminha em suas veredas, então todos os espíritos de conhecimento falso e mau serão humilhados; pois o Logos os lança ao inferno e os sujeita. Ele subverte este poder astuto que se levanta contra a natureza humana; Ele a eleva para as mais altas montanhas e colinas que ele usa para preencher estes vales. Pois a rejeição das paixões que são contrárias à natureza, e a recepção das virtudes que estão de acordo com a natureza, enchem o vale, ou seja a alma e humilha o senhorio dos espíritos malignos. (Isaías 40:4 LXX).

54) Os "lugares ásperos" - isto é, os ataques de armadilhas e tentações sofridos contra a nossa vontade - devem ser amolecidos, acima de tudo quando o nous, alegrando-se e rejubilando-se na fraqueza, aflição e calamidade, através de sofrimentos não procurados, priva de todo o seu senhorio as paixões que deliberadamente indultamos. Pois por "lugares ásperos" a Escritura quer dizer aquelas experiências de armadilhas não procuradas e tentações que se tornam lugares suaves quando suportadas com paciência e gratidão. (Cf. Isaías 40:4. LXX).

55) Aquele que anseia pela vida verdadeira sabe que todo sofrimento, se procurado ou não, traz morte aos prazeres sensuais, a fonte da morte; e assim ele alegremente aceita os severos ataques das armadilhas e tentações sofridos contra a sua vontade. Por suportá-los pacientemente, ele torna as aflições suaves e sem entraves, conduzindo inerrante quem devotamente persegue a trilha divina para o "preço do mais alto chamado" (Filipenses 3:14). Pois o prazer sensual é a mãe da morte e a morte de tal prazer é sofrimento, se livremente escolhido ou não.

56) Todo aquele que, então, através do autodomínio elimina o prazer sensual, que é intrincado, retorcido e entrelaçado em muitos aspectos com todo objeto sensível, endireita o torto. E aquele que com paciência suporta e derrota os duros ataques implacáveis do sofrimento, torna os caminhos áridos, suaves. Assim, quando uma pessoa lutou bem e verdadeiramente derrotou o prazer sensual com desejo por virtude, superou a dor com amor pelo conhecimento espiritual, e através de virtude e conhecimento preservou bravamente até o fim da divina guerra, ele verá, de acordo com a Escritura, 'A Salvação de Deus'; e esta será sua recompensa por virtude e pelos esforços que fizeram para obtê-la. (Isaías 40: 4-5). 

57) O amor pela virtude de bom grado apaga o fogo dos prazeres sensuais. E se um homem dedicou seu nous ao conhecimento da verdade, ele não permitirá que os sofrimentos inevitáveis impeçam a aspiração incessante que o conduz a Deus. 

58) Quando através do autocontrole você endireitou os caminhos tortuosos das paixões em que você deliberadamente indultou-se _ isto é, os impulsos dos prazeres sensuais _ e quando, por suportar pacientemente as aflições duras e dolorosas produzidas pelas armadilhas e tentações sofridas contra a sua vontade, você amaciou os caminhos áridos, então você poderá esperar ver a salvação de Deus, pois você se tornará puro de coração. Neste estado de pureza, através das virtudes e da santa contemplação, você conquistará a visão de Deus, de acordo com as palavras de Cristo: 'Bem aventurados os puros de coração, porque verão a Deus' (Mateus 5:8). E por causa dos sofrimentos suportados por amor à virtude você receberá o prêmio do desapego. Nada revela Deus mais plenamente do que a posse deste dom.

59) Na Escritura os corações capazes de receber os dons celestiais do santo conhecimento são chamados de cisternas (cf. 2 Crônicas 26:10). Eles têm sido lavrados pelos firmes princípios dos mandamentos; eles foram limpos da terra, da autoindulgência nas paixões e do apego natural às coisas sensíveis; e eles foram preenchidos com o conhecimento espiritual que purga as paixões e dá vida e sustentação às virtudes. 

60) O Senhor escava os corações daqueles que são dignos, limpa-os de seu sórdido material e arrogância, e torna-os profundos e largos de modo a receber a chuva divina de sabedoria e conhecimento. Ele faz isso para que possa banhar os rebanhos de Cristo, aqueles que necessitam de instruções morais por causa da imaturidade de suas almas.

61) A Escritura se refere à mais alta forma de contemplação espiritual da natureza como 'a terra do monte' (Deuteronômio 11:11). Seus cultivadores são aqueles que rejeitaram as imagens derivadas dos objetos sensíveis, e avançaram para a percepção das essências noéticas destes objetos através da aquisição das virtudes. 

62) Contanto que o intelecto lembre-se continuamente de Deus, ele buscará o Senhor através da contemplação, não superficialmente mas no temor do Senhor, isto é, pela prática dos mandamentos. Pois aquele que o procura através da contemplação sem cumprir com os mandamentos não O encontrou: ele não O buscou no temor do Senhor e assim o Senhor não o guiou para o sucesso. O Senhor guia para o sucesso todos que combinam a prática das virtudes com o conhecimento espiritual: Ele os ensina as qualidades dos mandamentos e revela-os a essência verdadeira inerente dos entes criados.

63) O conhecimento sublime sobre Deus se estabelece na alma como uma torre, fortificada com a prática dos mandamentos. Este é o significado do texto, 'Osias constrói torres em Jerusalém' (2 Crônicas 26:9). Um homem constrói torres em Jerusalém quando ele é abençoado com sucesso em sua busca pelo Senhor através da contemplação acompanhada de medo, isto é, observando os mandamentos; pois assim ele estabelecerá os princípios do conhecimento divino no estado não dividido e tranquilo de sua alma. 

64) Quando os princípios internos das coisas particulares se combinam com aqueles dos universais, eles trazem união ao que está dividido. Isto porque o princípio mais universal é o maior e mais profundo e ele abraça e unifica os princípios mais particulares. Os princípios particulares possuem afinidade com os universais. Mas há também um certo princípio espiritual que relaciona o nous aos sentidos, o céu à terra, os sensíveis ao inteligível, a natureza ao princípio da natureza, unindo-os uns aos outros.   

65) Se você tiver sido capaz de libertar seus sentidos das paixões e tiver apartado sua alma do apego aos sentidos, você terá sido bem sucedido em impedir que o demônio entre no intelecto por meio dos sentidos. E é para este fim que você deve construir torres no deserto (cf. 2 Crônicas 26:10). Pois deserto significa a contemplação natural; por "torres seguras" um entendimento verdadeiro da natureza das cosas criadas. Se você toma refúgio nestas torres, você não temerá os demônios que assaltam este deserto _ isto é, que se insinuam na natureza das coisas visíveis, enganando o intelecto através do sentidos e arrastando-o para dentro das trevas da ignorância. Se você adquire um verdadeiro entendimento de cada coisa, você não se assustará com os demônios que enganam os homens por meio da aparência externa dos objetos sensíveis. 

66) Todo intelecto que tenha o poder para contemplar é um semeador verdadeiro: contanto que ele tenha a lembrança de Deus para sustê-lo,  ele mantém as sementes da divina bondade livres do joio através de sua própria diligência e solicitude. Pois é dito, 'E com temor do Senhor ele buscou a Deus nos dias de Zacarias' (2 Crônicas 26:5, LXX). 'Zacarias' significa 'lembrança de Deus'. Rezemos sempre para que Deus mantenha esta rememoração salvadora a qual nos mantém vivos, para que nosso nous não corrompa nossa alma, enchendo-a de orgulho e encorajando-a a aspirar presunçosamente, como Uzias, o que está acima da natureza (cf. 2 Crônicas 26:16). 

67) Apenas a alma que foi liberta das paixões pode sem erro contemplar as coisas criadas. Porque sua virtude é perfeita, e porque seu conhecimento é espiritual e livre da materialidade, que a alma pode ser chamada de "Jerusalém". Este estado é atingido através da exclusão não apenas das paixões mas também das imagens sensíveis.

68) Sem fé, esperança e amor (cf. I Coríntios 13:13) não se pode abolir totalmente algo pecaminoso, nem pode ser obtida alguma coisa plenamente boa. A fé cerca o intelecto e pressiona-o rumo a Deus e o encoraja equipando-o com todo um arsenal de armas espirituais. A esperança é o seguro penhor do nous, que oferece divina ajuda, prometendo a destruição de poderes hostis. O amor torna difícil, ou melhor, impossível, que o nous se afaste do cuidado de Deus; e quando o nous está sob ataque, o amor impele-o a concentrar todo o seu poder natural no anseio pelo divino.

69) A fé encoraja o nous o cercando e o fortalece com a esperança de assisti-lo. A esperança traz diante de seus olhos esta ajuda prometida pela fé e o desvia dos ataques inimigos. O amor mata as provocações dos inimigos no interior do nous do devoto, eliminando-as totalmente com um profundo amor pelo divino. 

70) O primeiro e único efeito dos divinos dons de um conhecimento espiritual genuíno é produzir em nós pela fé a ressurreição de Deus. A fé necessita ser acompanhada pelo correto ordenamento de nossa vontade e propósito - isto é, pelo discernimento - que nos torna possível resistir bravamente às tentações e armadilhas, procuradas ou não. Assim a fé, expressando-se corretamente através do cumprimento dos mandamentos, é a primeira ressurreição em nós de Deus o qual fora morto em nós devido à nossa ignorância.


71) O retorno a Deus claramente implica a plena afirmação de esperança nEle, pois sem isto ninguém pode aceitar Deus de qualquer modo em todas as coisas. Pois é característico da esperança que traga as coisas futuras ante nós como se elas estivessem já presentes, e assim assegurar aqueles que são atacados pelos poderes hostis que Deus, em cujo nome e por cuja salvação os santos vão à batalha protege-os, não estando de modo algum ausente. Pois sem qualquer esperança, agradável ou desagradável, não se pode empreender um retorno ao divino.

72) Nada tanto quanto o amor une aqueles que foram cindidos e produz neles uma união efetiva de vontade e propósito. O amor é distinguido pela beleza de reconhecer o valor igual de todos os homens. O amor nasce num homem quando o poder de sua alma - isto é, sua inteligência, poder abrasador e desejo - estão concentrados e unificados em redor do divino. Aqueles que, pela graça, chegaram a reconhecer o igual valor de todos os homens aos olhos de Deus e que gravaram Sua Beleza em sua memória, possuem um anseio de amor por Deus inerradicável, pois tal amor está sempre carimbando esta Beleza em seu intelecto. 

73) Todo nous cingido com autoridade divina possui três poderes como seus conselheiros e ministros.  O primeiro é a inteligência. É a inteligência que dá nascimento à nossa fé, fundada no conhecimento espiritual, onde o nous aprende que Deus está sempre presente de modo indizível, e por meio disso ele apreende, com a ajuda da esperança, coisas futuras como se fossem presentes. Em segundo lugar, o desejo. É o desejo que gera o amor divino no nous, quando por sua própria vontade aspira à Divindade Pura, acasalando-se de uma maneira indissolúvel a esta aspiração. Em terceiro lugar, há o poder abrasador. E com este poder que o nous abre caminho à paz divina e concentra seu desejo no amor divino. Todo nous possui estes três poderes, e eles cooperam com ele de modo a purgar o mal, estabelecer e suster a santidade. 

74) Sem o poder da inteligência não há capacidade para o conhecimento espiritual; e sem conhecimento espiritual nós não podemos ter a fé que germina aquela esperança onde agarramos as coisas futuras como se elas estivessem já presentes. Sem o poder do desejo não há anseio, e assim nenhum amor, que é filho deste anseio; pois é próprio do desejo amar algo. E sem o poder abrasador, intensificando o desejo por união com o que é amado, não pode haver paz, pois a paz é verdadeiramente a possessão completa e imperturbável do que é desejado.  

domingo, 2 de agosto de 2015

Vários textos em Teologia, Economia Divina, Virtude e Vício

Primeira Centúria
de São Máximo Confessor


1) Deus, que está além do ser e além do não originado, é uno, a unidade santa de três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. É uma união infinita de três infinitos. Seu princípio do ser, unido ao modo, natureza e qualidade de seu ser é completamente inacessível às criaturas. Pois ela ilude toda intelecção dos seres intelectivos, de maneira alguma emitindo sua intimidade natural oculta, e infinitamente transcendendo o cume de todo conhecimento espiritual.

2) O Bem substantivo e essencial é aquele que não tem origem, nem fim, incausado, imóvel e  seu ser está unido a qualquer causa final. A bondade para qual tal termo se aplica não é um substantivo já que não tem origem, um fim, uma causa de ser, um movimento, na medida em que seu ser está unido a qualquer causa final. Se aquilo que não é ente no sentido substancial é dito ser, ele existe e é dito ser por participação, por meio da vontade do ser substancial. 

3) O Lógos Divino é não apenas superior à gênese dos entes criados, como não houve, não há, nem haverá um princípio superior ao Logos. O Logos não é sem o intelecto e a vida; Ele possui intelecto e vida porque o Pai é essencialmente o intelecto subsistente que O gera, e o Espírito Santo é Sua vida essencialmente subsistente e coexistente.

4) Há um Deus, porque o Pai é o gerador do Filho único e a fonte do Espírito Santo: um sem confusão e três sem divisão. O Pai é o intelecto não originado, o único essencial Gerador do Logos único, também não criado, e a fonte da única vida eterna, o Espírito Santo.

5) Há um Deus porque há uma Divindade, a Unidade não criada, simples, além do ser, sem partes e indivisível. A mesma Unidade é uma Trindade, também não originada, simples e por ai vai.

6) Tudo o que deriva sua existência da participação em alguma outra realidade pressupõe a prioridade ontológica daquela outra realidade. Assim, é claro que a Causa divina dos entes criados - que derivam sua existência da participação naquela Causa - é incomparavelmente superior a todos os entes em todos os sentidos, já que por natureza sua existência é anterior a eles e eles pressupõem sua prioridade ontológica. Ela não existe como um ser com acidentes, porque se fosse o caso o divino seria composto, sua própria existência se realizando por meio de coisas criadas. Pelo contrário, ela existe como um além da existência do ser. Pois se o artista em sua arte concebe as formas daquelas coisas que eles produzem, e se a natureza universal concebe as formas das coisas em si, quão mais o próprio Deus traz à existência do nada todo o ser das coisas criadas, já que Ele é além do ser e mesmo transcende infinitamente a atribuição do além ser. Pois Ele uniu a sabedoria à arte de modo que as formas possam ser concebidas; e é Ele quem deu à natureza a energia que produz sua forma, e que estabeleceu a entidade dos entes em virtude da qual eles existem.

7) Deus, em cuja essência os seres criados não participam, mas que deseja que aquele capazes participem dEle de algum outro modo, nunca brilha a partir do ocultamento de Sua essência; pois mesmo aquele modo de acordo com o qual Ele deseja ser participado, permanece conciliado perpetuamente a todos os homens. Assim, como Deus de sua própria vontade é participado - a maneira de ser conhecido por Ele apenas - no poder transbordante de Sua bondade, Ele livremente traz à existência os seres participantes, de acordo com um princípio que apenas Ele entende. Consequentemente, o que veio ao ser por vontade DEle que o fez nunca pode ser coeterno a Ele que desejou que tal coisa existisse.

8) O Logos Divino, que de uma vez por todas nasceu na carne, sempre em Sua compaixão deseja ser nascido em espírito naqueles que O desejam. Ele se tornou uma criança e se moldou a Si mesmo neles através da virtude. Ele revela tanto de si quanto Ele saiba que o recipiente possa aceitá-lo; Ele não diminuiu a manifestação de Sua própria grandeza por falta de generosidade mas estima a capacidade receptiva daqueles que desejam vê-Lo. Neste sentido o Logos Divino é eternamente manifesto em diferentes modos de participação, e ainda permanece indivisível eternamente a todos em virtude de ultrapassar a natureza de Sua atividade oculta. Isto é porque os apóstolos, quando sabiamente consideraram o poder de sua atividade oculta, diz 'Jesus Cristo o mesmo de ontem, de hoje e de todas as eras' (Hebreus 13:8); pois Ele vê a atividade oculta como alguma coisa que é sempre nova e que nunca se torna fora de moda uma vez abraçado pelo intelecto.

9) Cristo Nosso Deus nasceu e tornou-se homem dando a si mesmo a carne dotada com alma intelectiva. Aquele que do não-ser dotou as coisas criadas de ser nascido sobrenaturalmente da Virgem que nem por isso perdeu sua virgindade. Pois assim como Ele se tornou Homem sem mudar a sua Natureza ou alterar o Seu Poder assim Ele faz com que ela permaneça Virgem. Neste sentido Ele revela um milagre após outro e ao mesmo tempo conciliando um com o outro.
Isto é porque NEle, de acordo com Sua essência, Deus sempre permanece um mistério. Ele expressa Sua natural ocultação no sentido em que Ele ainda mais se oculta na Revelação. Similarmente, no caso da Virgem que O carregou, Ele fez sua Mãe de tal modo que ao concebê-lo os limites de sua Virgindade tornaram ainda mais indissolúveis.

10) As naturezas tornaram-se algo novo e Deus tornou-se homem. Não apenas é a divina natureza, estável e imóvel, movida para o que é instável e sujeito ao movimento, impedindo-o de ser tragado; não apenas a natureza humana produz sem semente, em um meio que é sobrenatural, a carne que é trazida à perfeição pelo Logos, a fim de preveni-lo também de ser varrido; mas uma estrela do Leste que brilha no dia da Encarnação e guia os magos (cf. Mateus 2:2-10) para o lugar onde o Logos tornou-se encarnado, de modo a mostrar em um sentido místico que o ensinamento inerente da Lei e dos profetas é superior aos sentidos e guia os Gentios para a suprema Luz do conhecimento espiritual. Pois é claro que os ensinamentos inerentes da Lei e os profetas, quando completamente amados com devoção como uma estrela, conduz para o conhecimento do Logos encarnado aqueles que livremente respondem ao chamado da Graça.

11) Como homem eu deliberadamente transgredi o mandamento divino, quando o mal, seduzindo-me com a esperança da divindade (Genesis 3:5), arrastou-me para baixo de minha estabilidade natural para o reino do prazer sensual; e o demônio  estava orgulhoso de ter trazido a morte à existência, pois ele se deleita na corrupção da natureza humana. Por conta disso, Deus tornou-se Homem, tomando tudo o que pertence à Natureza Humana exceto o pecado (cf. Hebreus 4:15), e de fato o pecado não faz parte da Natureza Humana. Neste sentido, seduzindo a serpente com a isca da carne, Ele provocou-a a abrir a boca e vomitar. Esta carne experimentada a envenenou, destruindo-a mais tarde pela poder da Divindade na carne; mas a natureza humana provou um remédio restaurador com sua Graça original pelo mesmo poder da Divindade. Pois uma vez o demônio derramou seu veneno de pecado na árvore do conhecimento e corrompeu a natureza humana uma vez que ela a experimentou, assim quando ele desejou devorar a carne do Mestre ele mesmo foi destruído pelo poder da Divindade nela.

12) O grande mistério da encarnação permanece um mistério eternamente. Não apenas o que não é visto é maior do que o que foi revelado - pois é revelado apenas aquilo que podemos abarcar - mas também o que é revelado permanece inteiramente oculto e por nenhum meio conhecido como realmente é. O que é dito não deve parecer paradoxal. Pois Deus está além do ser e transcende tudo o que está para além do ser; e assim, quando Ele desejou ir para o nível do Ser, Ele tornou-se ser em uma maneira que transcende o Ser. Assim, também, apesar de transcender o homem, fora do amor pelo homem, Ele verdadeiramente tornou-se homem fazendo-se da substância dos homens; mas na maneira em que Ele se tornou homem sempre permanece não revelado, pois Ele foi feito homem em um sentido que transcende o homem.

13) Contemplemos com fé o mistério da divina encarnação e em toda simplicidade roguemos simplesmente a Ele que em Sua grande generosidade tornou-se homem por nós. Pois quem, confiando no poder da demonstração racional, pode explicar como a concepção do Logos Divino aconteceu? Como foi a carne gerada sem semente? Como houve geração sem perda da virgindade? Como uma mãe após gerar permaneceu virgem? Como Ele que era supremamente perfeito se desenvolveu e cresceu (cf. Lucas 2:52)? Como Ele, que era puro, foi batizado? Como Ele, que estava faminto, deu o sustento (cf. Mateus 4:2; 14-21)? Como Ele, estando cansado, transmitiu força (cf. João 4:6)? Como Ele que sofreu curou? Como Ele, mesmo morrendo, concedeu a vida? E, pra clocar o mais importante, como Deus tornou-se homem? E - o que é ainda mais misterioso - como o Logos, enquanto subsistindo plenamente, essencialmente e hipostaticamente no Pai, também existe essencialmente e hipostaticamente na carne? Como Aquele que é plenamente Deus por natureza tornou-se plenamente homem por Natureza, não renunciando à sua Natureza em qualquer sentido, nem a divina, através da qual Ele é Deus, nem a nossa, por meio da qual Ele tornou-se homem? Apenas a fé pode abraçar tais mistérios, pois é a fé que torna real para nós as coisas além do intelecto e da razão (cf. Hebreus 11:1).

14) Porque Adão desobedeceu, a natureza humana veio a ser gerada através do prazer sensual; por tais prazeres da natureza humana, o Senhor nada tinha a fazer senão gerar por meio da semente. Por causa da transgressão da mulher ao mandamento, a geração da natureza humana começa na dor (cf. Gênesis 3:16); expulsando isto da natureza humana através do Seu nascimento, o Senhor permitiu a preservação de sua virgindade. Ele agiu assim para expulsar da natureza humana tanto o prazer deliberadamente buscado e a dor resultante não buscada, tornando-se o destruidor das coisas as quais Ele não criou. Por meio disso Ele misticamente nos ensinou a embarcar em outro estilo de vida, que talvez comece na dor e no trabalho mas que no entanto termine no prazer divino e na alegria perpétua. Isto é porque Aquele que se fez homem tornou-se homem e nasceu como homem, para que assim Ele pudesse salvar os homens e curando suas paixões através de Sua Paixão, pudesse Ele mesmo supranaturalmente destruir as paixões que nos destroem, e em Sua compaixão renovar-nos no espírito através de Suas privações na carne.

15) Aquele que anseia pelo divino superou a predileção da alma pelo corpo e está livre das limitações físicas mesmo que esteja num corpo. Pois Deus, que atrai o desejo da pessoa que O anseia, é incomparavelmente maior do que todas as coisas, e não permite que aquele que anseia por Ele dirija seu desejo para qualquer coisa menos que Ele. Consequentemente, ansiemos por Deus com toda a força de nossa natureza e mantenhamos nossa resolução sem restrições para as necessidades do corpo. Coloquemo-nos acima de todas as realidades sensíveis e inteligíveis, e não nos permitamos qualquer limitação física que comprometa nossa resolução de estar com Deus, que é por natureza além de toda a limitação.

16) O sofrimento dos santos consiste na luta entre a malícia e a virtude, a primeira lutando para ganhar controle, a segunda suportando todas as coisas para evitar a derrota. A malícia quer nutrir o pecado castigando o justo; a virtude quer manter os bons homens firmes apesar deles experienciarem mais do que infortúnios.

17) A tarefa da virtude é lutar contra a fadiga e o sofrimento. O preço para a vitória é dada àqueles que fixam a alma em seu fundamento, o desapego. Neste estado a alma está unida a Deus através do amor, e com firme resolução aparta-se do corpo e do mundo. Aqueles que se fixam nesse verdadeiro fundamento descobrem que a força da alma habita na aflição do corpo.

18) Seduzido de nosso estado original pelo engodo dos prazeres sensuais, nós escolhemos a morte de preferência à vida.Vamos então suportar de bom grado as dificuldades corporais que colocam a morte do prazer. Neste sentido a morte do prazer destruirá a morte que vem com o prazer e nós teremos novamente a vida, comprada ao preço das dificuldades corporais, que havíamos vendido por causa dos prazeres sensuais.

19) Se quando a carne tem uma vida fácil a força do pecado tende a crescer mais forte, é claro que quando a carne sofre aflição a força da virtude também crescerá. Suportemos bravamente as aflições da carne, que limpam as manchas da alma e nos trazem a glória futura. Pois "os sofrimentos deste tempo presente não são dignos de serem comparados com a glória que será revelada em nós" (Romanos 8:18).

20) Quando os médicos estão tratando o corpo eles não administram o mesmo remédio em todos os casos. Nem Deus quando trata dos males da alma reconhece haver apenas um tipo de tratamento para todas as condições; mas Ele atribui a cada alma o que é suscetível a ela e o efeito é a sua cura. Assim, demos graças enquanto estivermos sendo tratados, não importa se for grane nosso sofrimento, pois o resultado é benção.

21) Nada disciplina as disposições da alma tão bem quanto as queixas da carne aflita. Se a alma dá guarida e tais queixas, torna-se evidente que ela ama mais à carne do que a Deus. Mas se ela permanece imperturbável mesmo com estas turbulências, mostrará honrar a virtude mais do que a carne. Por meio da virtude, Deus virá morar nela - Deus que para a salvação da alma pacientemente suporta nossos sofrimentos humanos - lhe dirá depois como disse aos discípulos, "Tenham coragem, pois Eu venci o mundo" (João 16:33).

22) Se todos os santos tinham a sua quota e disciplina, nós também devemos agradecer a Deus que somos disciplinados com eles, para que assim possamos nos fazer dignos de partilhar de sua glória. 'Pois a quem o Senhor ama Ele disciplina; Ele castiga a todo filho que Ele aceita" (Provérbios 3:12)

23) Quando Adão aceitou o prazer sensual oferecido a ele por Eva, que tinha vindo do seu lado, ele expulsou a humanidade do paraíso (cf. Gênesis 3:24). Mas quando o Senhor em Sua agonia foi ferido em seu lado pela lança, ele trouxe novamente o ladrão ao paraíso (cf. Lucas 23:43). Amemos então os sofrimentos da carne e odiemos seus prazeres; pois os primeiros nos trazem e nos restauram para as bençãos de Deus, enquanto os segundos nos dirigem para fora das bençãos de Deus e nos apartam delas.

24) Se Deus sofreu na carne quando Ele foi feito homem, nós não devíamos nos alegrar quando sofremos, já que temos a Deus para compartilhar nosso sofrimento? Este sofrimento compartilhado confere o reino em Nós. Pois falou verdadeiramente aquele que disse, "Se eu sofrermos com Ele, também seremos glorificados com Ele" (Romanos 8:17)

25) Se tivermos de sofrer por causa de nosso passado envolvido em prazeres sensuais, suportemos nossos sofrimentos temporários bravamente; pois eles embotam a lança afiada do prazer, e nos libertam dos tormentos eternos que nos causam.

26) O amor é a consumação de todas as bençãos, já que todos os que amam no amor nos conduzem e guiam para Deus, a benção suprema e causa de toda benção, e os une a Ele; pois o amor é fiel e nunca falha (cf. 1 Coríntios 13:8). A fé é o fundamento do que vem depois, a saber esperança e amor, já que ela garante uma base firme para a verdade. A esperança é a força dos dois proeminentes dons do amor e da fé, já que a esperança nos concede vislumbres tanto do que é aquilo que nós acreditamos e aquilo pelo qual nós ansiamos, e ajuda-nos a nos planejar para esta meta. O amor é a compleição das outras duas, abraçando inteiramente o desejo de todos os desejos, e satisfazendo a ânsia de nossa fé e esperança; pois aquilo que nós acreditamos ser e que esperamos que passará, o amor habilita-nos a aproveitar como a realidade presente.

27) O mais perfeito trabalho do amor, e o cumprimento de sua atividade, é efetuar uma mudança entre aqueles que se unem, que em alguma medida une suas características distintivas e adapta suas condições respectivas aos outros. O amor torna os homens bons, revela e manifesta Deus enquanto homem, através da singular e da identidade entre seus propósitos e vontades.

28) Se fomos feitos e somos a imagem de Deus (cf. Genesis 1:27); tornemo-nos a imagem ao mesmo tempo de Deus e de nós mesmos; ou, preferencialmente, tornemo-nos a imagem do único Deus, carregando nenhum aspecto terreno em nós mesmos, para que possamos ser desposados por Deus e tornando-se deuses (theosis), recebamos de Deus nossa existência enquanto deuses Pois neste caminho são honrados os dons divinos e a presença da divina paz.

29) O amor é uma grande benção e de todas as bençãos a primeira e suprema, já que ele une Deus e o homem ao seu redor, e torna o Criador dos homens manifestarem a Ele enquanto homem através da exata semelhança do homem deificado por Deus, na medida em que isto é possível ao homem. Isto é o que eu considerei a atualização do mandamento, "Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com todo o teu poder e ao teu próximo como a si mesmo" (cf. Levítico 19:18; Deuteronômio 6:5; Mateus 22:37-39).

30) O demônio nos enganou com dolo, astúcia e malícia, provocando por meio do amor-próprio o anseio por prazeres sensuais (cf. Gênesis 3:1-5). Ele nos separou em nossa vontade de Deus e dos outros; ele perverteu a reta verdade e a seu modo dividiu a humanidade, escravizando-a em muitas opiniões e fantasias.

31) Os maiores autores e instigadores do mal são a ignorância, o amor-próprio e a tirania. Cada um destes erros depende dos demais e é fundamentados também por meio deles: da ignorância de Deus vem o amor próprio e do amor próprio vem a tirania de nossa própria vontade. O demônio ajusta estas coisas em nós para usarmos mal nossos poderes, a saber: nossa inteligência, nosso desejo e nosso poder abrasador.

32) Pela inteligência nós somos estimulados a superar nossa ignorância e a procurar aquele e único Deus através do conhecimento espiritual; através do desejo - por meio da purificação do amor próprio - devemos elaborar o anseio do Deus único; e com o poder abrasador nos divorciamos de todas as propensões tirânicas que lutam para que não desejemos apenas Deus. Destes poderes da alma devemos atualizar aquele amor divino e abençoado em virtude do qual tudo existe, aquele amor que une o homem devoto a Deus e revela-o ser como um deus (theosis).

33) Já que o amor próprio é, como eu disse, a origem e mãe do mal, quando ele é erradicado, todas as coisas que derivam dele são erradicadas também. Pois quando o amor próprio está ausente, nem o mais marcante traço ou forma do mal pode existir de qualquer modo.

34) Nós devemos cuidar de nós mesmos e cada um dos demais no mesmo sentido que o Próprio Cristo, que pacientemente sofreu por nós, já revelado a nós em Sua própria pessoa.

35) Por meio do amor todos os santos resistiram ao pecado, não mostrando qualquer reconhecimento da vida presente.Os santos suportaram muitas formas de morte, para que pudessem ser separados do mundo e unidos a Deus, gozando sempre e neles mesmos os fragmentos quebrados da natureza humana. Assim, é verdadeira e imaculada a teosofia da fé. Sua consumação é bondade e verdade – a bondade como compaixão e a verdade como devoção a Deus na fé são marcas do amor. Ela une os homens a Deus e uns aos outros, e nisto ela contém a permanência imutável de todas as bênçãos.

36). A atualização e prova do perfeito amor de Deus é uma atitude genuína e voluntária de boa vontade para com o seu próximo, “Pois aquele que não ama o seu irmão a quem vê”, diz São João, “não pode amar a Deus que não vê” (1 João 4:20).

37). O caminho da verdade é o amor. O Logos de Deus chamou a si mesmo de O Caminho (cf. João 14:6; I João 4:8); e aqueles que trafegam neste caminho que Ele apresenta, são purificados de toda mancha por Deus Pai. 

38). Esta é a porta através da qual os homens entram no Santo dos Santos e lhes chega a luz de inacessível beleza da Santa e Real Trindade.

39). É uma coisa temerosa e hedionda para nós, por causa de nosso amor pelas coisas corruptíveis, matar deliberadamente a vida que nos foi dada por Deus como dom do Espírito Santo. Aqueles que se preparam em preferir o amor de si certamente experimentarão este medo.

40). Usemos a paz no sentido certo: repudiando toda aliança má com o mundo e seu governante, vamos romper o último traço de guerra que travamos contra Deus através das paixões. Concluindo um pacto inquebrantável de paz com Ele ao destruir o corpo do pecado em nós (cf. Romanos 6:6), poremos um fim em nossa hostilidade a Ele.

41). Rebelarmo-nos, como fazemos contra Deus através das paixões e concordando em pagar o tributo na forma de mal ao tirano da astúcia, o demônio que mata as nossas almas, não podemos ser reconciliados com Deus até que nós primeiramente comecemos a lutar contra o demônio com todas as nossas forças. Pois ainda que assumamos o nome de Cristãos, até que possamos nós mesmos nos colocar como inimigos do demônio e lutarmos contra ele, nós continuamos por escolha deliberada a servir nossas paixões vergonhosas. E nada de proveitoso virá a nós se estivermos em paz com o mundo, pois nossa alma estará em estado demoníaco, rebelando-se contra o seu próprio Criador e involuntariamente ao Seu Reino.  Nossa alma será vendida em escravidão a hordas de mestres selvagens, que a instarão para o mal e traiçoeiramente a forçarão para escolher o caminho da destruição a despeito do que o que verdadeiramente traz a salvação.

42). Deus nos criou para que pudéssemos nos tornar “participantes da divina natureza” (2 Pedro 1: 4) e compartilhar a sua Eternidade, e assim pudéssemos vir a ser como Ele (cf. 1 João 3:2) através da deificação pela Graça. É através da Deificação que todas as coisas são reconstituídas e alcançam a sua permanência; e é por sua causa que algumas coisas não vêm à existência.

43). Se desejamos pertencer a Deus tanto em nome quanto em realidade, lutemos para não trair o Logos em nome das paixões, como fez Judas (cf. Mateus 26: 14-16) ou para negá-Lo como fez Pedro (cf. Mateus 26: 69-75). Negar o Logos é sucumbir-se ao medo e não experimentar o bem; traí-Lo e deliberadamente escolher e praticar o pecado.

44). O resultado de toda aflição suportada por causa da virtude é alegria, de todo labor o repouso, e de todo tratamento vergonhoso é a glória; em suma, o resultado de todos os sofrimentos por causa da virtude é estar com Deus, permanecer com Ele para sempre e gozar do descanso eterno.

45). Porque Ele desejou se unir a nós em natureza e vontade, para nos unirmos uns aos outros, e em Sua bondade instarmos toda a humanidade para esta meta, Deus em Seu amor confiou a nós seus mandamentos salvíficos, ordenando-nos simplesmente que mostrássemos misericórdia e alcançássemos misericórdia (cf. Mateus 5:7).

46). O amor de si e a esperteza dos homens, alienando-os uns dos outros e pervertendo a lei, cortaram nossa natureza humana singular em muitos fragmentos. A insensibilidade que eles introduziram em nossa natureza vai se estendendo e agora a domina totalmente, e nossa natureza, dividida em vontade e propósito, luta contra si mesma. Assim, aquele teve sucesso no julgamento e notabilidade de inteligência ao resolver este estado anômalo de sua natureza mostra misericórdia primeiramente a si para depois mostrar aos demais; pois ele moldou sua vontade e propósito em conformidade com a natureza, e através deles ele avançou para Deus por meio da Natureza; ele revelou em si mesmo o que significa ser “imagem de Deus” e mostrou quão excelentemente no começo Deus criou nossa Natureza em Sua semelhança e como pura cópia de Sua própria vontade, e como Ele fez nossa natureza uma em si mesma em todo sentido – pacífico, livre de contendas e facções, unido a Deus e a si mesmo pelo amor, fazendo-nos apegar a Deus com desejo e aos outros com mútua afeição.
47). Em Seu amor pelos homens Deus tornou-se homem para que assim Ele pudesse unir a natureza humana a Ele próprio e parar com as ações demoníacas para com os homens, ou melhor ainda, colocá-los em conflito e dividi-los, e assim não terem eles mesmos repouso por conta de suas vontades e propósitos instáveis.

48) Nada que segue de Deus é mais precioso do que ser dotado com um intelecto, ou nada é mais caro a Deus do que o amor perfeito; pois o amor une aqueles que estão divididos e é capaz de criar uma identidade singular de vontade e propósito, livre de facções, entre muitos ou entre todos; pois a propriedade do amor é produzir uma vontade singular e um propósito naqueles que o buscam que lhes pertença intimamente.

49) Se por natureza o Bem unifica e mantém unidos o que foi separado, o demônio claramente divide e corrompe o que foi unido. Pois o mal é por natureza dispersivo, instável, multiforme e divisivo.

50). O verdadeiro amor a Deus, fundamentado no conhecimento verdadeiro, junto a total repúdio das afecções da alma pelo corpo e por este mundo, é uma estrada curta para a salvação e traz libertação de todos os pecados. Neste sentido, rejeitando o desejo por prazeres e o temor à dor, nós nos livramos do pecado do amor próprio e somos assuntos ao conhecimento do Criador. Em lugar do amor-próprio demoníaco, nós recebemos um amor espiritual e incorrupto, separado das afecções do corpo; e nós não cessamos de venerar a Deus através deste amor de si incorruptível, sempre procurando-O para o sustento de nossas almas. Pois a verdadeira veneração, genuinamente agradável a Deus, é o cultivo estrito da alma através das virtudes.

51) Se você não anseia por prazeres corporais e não tem o menor medo da dor, você obteve o desapego. Pois para superar tais anseios e medos, unidos ao amor próprio que os engendra, você matou com um simples sopro todas as paixões que vem à existência por eles, tanto quanto a principal fonte do mal, a ignorância. Você se tornou cheio daquela bondade que é estável e permanente e que sempre permanece a mesma por natureza; e em tal bondade você permanecerá absolutamente imóvel, 'com a face desvelada refletindo a Glória do Senhor' (2 Coríntios 3:18) e contemplando através do brilho radiante em si a glória divina e inacessível.

52). Rejeitemos os prazeres e dores da vida presente com todas as nossas forças, e assim nos libertaremos inteiramente de todos pensamentos passionais e de todas as maquinações demoníacas. Pois amamos as paixões por causa dos prazeres e rejeitamos as virtudes por causa do sacrifício que exigem.

53) Desde que a natureza do mal destrói a si mesma pelos hábitos que traz consigo, cada homem pode aprender com a própria experiência que todo prazer é inevitavelmente sucedido pela dor, o que irá constatar se dirigir todo o seu esforço para o prazer e fizer tudo o que puder para evitar a dor. Que ele se esforce com toda a sua força para obter prazer e lute com todo zelo possível para evitar a dor. Agindo assim, ele procurará manter dor e prazer separados um do outro, o que é impossível, e sua auto-indulgência fará com que pense que apenas o prazer está inteiramente livre de dor. Pois dor e prazer estão entrelaçados, ainda que isto passe despercebido pelos que sofrem. Isto lhes escapa porque seu desejo por prazer é a força dominante do amor-próprio, e o que domina é sempre naturalmente mais conspícuo e obscuro do que de fato o é. Assim é por causa do nosso amor próprio que perseguimos prazer, e por causa de nosso amor próprio que fugimos da dor, gerando paixões incalculáveis em nós próprios.

54) Um homem não sente mais prazeres e dores quando, livrando seu intelecto de sua relação com o corpo, ele ata ou melhor se une a Deus, a meta real do amor, ansiando-O e desejando-O.

55) Como não se pode venerar a Deus em um sentido profundo sem purificar completamente a alma, também não se pode venerar a criação sem mimar o corpo. Isso se cumpre quando, por causa da preocupação com o nosso corpo, esta veneração que causa corrupção, e por este auto-amor assim adquirido, o homem torna-se sujeito à ação incessante de prazer e dor; sempre comendo da árvore da desobediência do bem e do mal - neste caminho ele aprende pela experiência através da auto-percepção o conhecimento de que bem e mal estão misturados. Não seria falso dizer que a árvore do conhecimento do Bem e Mal é o mundo visível criado. Pois este mundo é por natureza sujeito à alternação que produz prazer e dor.

56) Onde a inteligência não legisla, os sentidos naturalmente assumem o papel principal. O poder do pecado é de algum modo misturado aos sentidos e induz a alma por meio dos prazeres sensuais a ter piedade pela carne, a que está unida. Quando a alma persegue o cultivo apaixonado e prazeroso da carne como sua tarefa principal, ela é desviada da vida vivida de acordo com a natureza e é impelida a tornar-se a autora do mal, o qual não tem nenhuma existência substancial.

57) O mal é o esquecimento noético da alma do que é bom de acordo com a natureza; e este esquecimento resulta de uma relação apaixonada com a carne e o mundo. Quando a inteligência está no controle, ela dissipa este esquecimento através do conhecimento espiritual, já que a inteligência, tendo investigado a natureza do mundo e da carne, atrai a alma para o Reino das realidades espirituais que é a sua verdadeira casa. Neste Reino, a lei do pecado não pode entrar; pois a ligação entre a alma e os sentidos foi então quebrada, e os sentidos, limitados ao mundo dos objetos sensíveis, não podem mais funcionar como uma ponte de transporte da lei do pecado ao intelecto. Quando o intelecto transcende sua relação com os objetos sensíveis e o mundo para os quais pertencem, ele se torna completamente livre da oscilação dos sentidos.

58) Quando a inteligência domina as paixões, ela faz dos sentidos instrumentos da virtude. Conversivamente, quando as paixões dominam a inteligência, elas conformam os sentidos ao pecado. Deve-se atentamente estudar e refletir o quanto a alma pode melhor reverter a situação e usar aquelas coisas através das quais ela pecou primeiramente para, por outro lado, gerar e suster virtudes.

59) O Santo Evangelho ensina aos homens a rejeitar a vida de acordo com a carne e a abraçar a vida de acordo com o Espírito. Estou me referindo àqueles que estão sempre morrendo para o que é humano - quero dizer, a vida na carne de acordo com a presente vida - e vivendo para Deus no Espírito apenas, após o exemplo de São Paulo e seus seguidores. Eles não fazem de suas vidas suas próprias vidas mas possuem a Cristo vivendo neles, apenas em suas almas (cf. Galatas 2:20). Aqueles, então, que nesta era são verdadeiramente mortos para a carne podem ser distinguidos neste sentido: mesmo que eles sofram muita aflição, tormento, desgraça e perseguição, e experienciem inumeráveis formas de julgamento e perseguição, entretanto eles suportam tudo com alegria.

60) Toda paixão sempre consiste de uma combinação de alguns objetos percebidos, uma faculdade sensível e um poder natural - o poder abrasador, desejo ou inteligência - cuja função natural foi distorcida. Assim, se o intelecto investiga o resultado final destes três fatores inter-relacionados - o objeto sensível, a faculdade sensível e o poder natural envolvido com a faculdade sensível - ele pode distinguir cada um deles dos outros dois, e referir-se de volta para sua função natural específica. Ele pode visualizar o objeto sensível em si mesmo, à parte sua relação aos objetos sensíveis, e a faculdade sensível em si mesma, à parte sua conexão com os objetos sensíveis, e o poder natural - desejo, por exemplo - à parte sua aliança apaixonada com a faculdade sensível e o objeto sensível. Neste sentido, o intelecto reduz a suas partes constituintes qualquer paixão que ele investigue, do mesmo modo que o bezerro de ouro de Israel no Velho Testamento foi moído em pó e misturado à água (cf. Êxodo 32:20); ele se dissolveu com a água do conhecimento espiritual, destruindo completamente mesmo as imagens livres de paixões, restaurando cada um de seus elementos ao seu estado natural.

61) Uma vida manchada com muitas faltas é como uma roupa suja e surge das paixões da carne. Pois pelo seu modo de vida, assim como por sua vestimenta, um homem se declara ser justo ou vil. O homem justo tem uma vida santa como uma veste pura; o homem vil tem uma veste imunda com vis ações. Assim, 'uma vida manchada pela carne' é o estado inerente e a disposição da alma quando sua consciência é deformada pela lembrança de impulsos malignos e ações que surgem da carne. Quando este estado ou disposição constantemente envolve a alma como uma veste, ele é preenchido com o fedor das paixões. Mas quando as virtudes, através do poder do Espírito, são entrelaçadas de acordo com a inteligência, eles formam uma veste de incorrupção para a alma; vestida nesta alma torna-se bonita e resplandecente. Conversivamente, quando as paixões são entrelaçadas sob a influência da carne, elas formam uma uma imunda vestimenta, que revela o caráter da alma, impondo-lhe uma forma e imagem contrária à divina.

62) Um conselho seguro para buscar com esperança a deificação da natureza humana é fornecido pela encarnação de Deus que torna o homem bom no mesmo grau que o próprio Deus tornou-se homem. Pois é claro que Aquele que se tornou homem sem pecar (cf. Hebreus 4:15) divinizará a natureza humana sem alterar a natureza divina, e surgirá para Sua própria salvação uma vez que Ele rebaixou-Se a si mesmo para a salvação do homem. Isto é o que São Paulo ensina misticamente quando diz, ...'exibir nos séculos vindouros a riqueza transbordante da Sua Graça' (Efésios 2:7).

63)  Quando a inteligência comanda o desejo e o poder abrasador, ela produz as virtudes. Quando o intelecto devota sua atenção às essências inerentes das coisas criadas, ele colhe o conhecimento espiritual genuíno. Assim a inteligência, após rejeitar todo conhecimento alienante, após passar além das coisas que são conhecidas, apreende a Causa das coisas criadas que transcendem o Ser e o Conhecimento. Então a paixão da deificação é atualizada pela Graça: o poder da inteligência de discriminação natural é suspenso, pois não há mais qualquer coisa que possa ser discriminada; a intelecção natural do intelecto é trazida a uma parada, pois não há mais qualquer coisa a ser conhecida; e a pessoa é encontrada digna de participar no divino é feita deus e trazida ao estado de repouso.

64) O sofrimento limpa a alma da sujeita que os prazeres sensuais infectam, purificando-a completamente das coisas materiais ao mostrar a penalidade sofrida como o efeito de sua afeição por elas. Esta é a razão porque Deus, em Sua justiça, permite que o demônio aflija os homens com tormentos.

65) Prazer e aflição, desejo e temor, e o que segue deles não são originariamente criados como elementos da natureza humana, pois se assim fosse eles fariam parte da definição de tal natureza. Eu sigo nesta questão São Gregório de Nissa, que estabeleceu que estas coisas foram introduzidas como o resultado de nossa queda da perfeição, estando infiltradas naquela parte de nossa natureza menos dotadas de inteligência. Através delas a imagem divina e abençoada no homem que estava antes de nossa transgressão foi imediatamente substituída por uma semelhança clara e óbvia aos animais. Uma vez que a verdadeira dignidade da inteligência havia sido obscurecida, era inevitável que apenas aquela natureza humana devesse ser castigada por conta de toda a tolice que lhe foi introduzida. Neste sentido, Deus, em sua divina Providência sabiamente fez o homem consciente da nobreza de seu intelecto.

66) Mesmo as paixões se tornam bens se nós sabiamente e diligentemente nos separamos delas pelo que é corporal e nos conduzimos para a aquisição do que é celestial. Isto acontece, por exemplo, quando voltamos nosso desejo para o anelo noético pelas bençãos celestiais; ou quando nós experimentamos os deleites suaves que a energia volitiva do intelecto encontra em tais dons; ou quando sentimos medo e nos colocamos sob a proteção divina para escapar da punição que nos é devida por nossos pecados; ou quando usamos nossas aflições como um remorso corretivo para os pecados presentes. Em suma, as paixões tornam-se bens - como os sábios médicos que usam o corpo da víbora como remédio contra os resultados prejudiciais esperados ao sermos mordidos por ela - nós as usamos para destruir o mal presente e esperado, e de modo a que possamos adquirir a guarda da virtude e do conhecimento espiritual.

67) A lei do Antigo Testamento por meio de uma filosofia prática limpa a natureza humana de toda a profanação. A Lei do Novo Testamento, através da iniciação aos mistérios da contemplação, eleva o intelecto por meio do conhecimento espiritual dos sinais das coisas materiais para a visão das realidades espirituais.

68) Aqueles que são iniciantes e aguentam firme às portas do Tribunal Divino das virtudes (cf. Êxodos 27:9) são chamados 'Tementes a Deus" pela Escritura (cf. Atos 10:2; 13:16, 26). Aqueles que com alguma medida de estabilidade adquiriram os princípios e qualidades das virtudes, são descritos como em progresso. Aqueles que perseguindo a santidade por meio do conhecimento espiritual já obtiveram a submissão daquela verdade que revela as virtudes, são ditos "perfeitos". Assim, aquele que abandonou seu primeiro caminho de vida das paixões, e sem medo submeteu sua inteira vontade aos mandamentos divinos, não deixará nenhuma das bençãos que são apropriadas aos iniciantes, mesmo que não tenha ainda conseguido a estabilidade na prática das virtudes ou veio a compartilhar a sabedoria falada entre aqueles que são perfeitos (cf. I Cor. 2:6). Aquele que está avançando não deixará qualquer benção que pertença ao seu estágio, mesmo que ele não tenha adquirido o conhecimento transcendente das realidades divinas possuídas pelo intelecto. Pois os perfeitos já foram iniciados misticamente na teologia contemplativa: tendo purificado seus intelectos de toda fantasia material e carregando sempre a estampa da imagem da Beleza Divina em toda a sua plenitude, eles manifestam o amor divino presente em seus corações.

69) O temor é duplo; há um tipo puro, e outro impuro. Aquele é eminentemente temeroso do castigo por causa das ofensas cometidas é impuro, pois é o pecado que lhe dá nascimento. Ele não dura para sempre, pois quando o pecado é obliterado através do arrependimento, ele desaparecerá. O puro temor, por outro lado, é sempre presente mesmo separado dos remorsos pelas ofensas cometidas. Tal temor nunca cessará de existir, porque ele é de algum modo enraizado essencialmente por Deus no momento da Criação e torna claro a todos Sua natureza inspiradora, que transcende todo reino e poder.

70) Aquele que não teme Deus como juiz mas se guarda no temor do Senhor por causa da excelência transbordante de seu poder infinito não lhe falta qualquer coisa; pois tendo alcançado a perfeição no amor, ele ama a Deus com temor e reverência apropriada. Ele adquiriu o temor que dura para sempre e nada lhe faltará. (cf. Salmos 19:9; 34:9-10).

71) A partir dos seres criados conhecemos a sua Causa; das diferenças entre as coisas criadas nós aprendemos sobre a Sabedoria que habita a criação; e da atividade natural dos seres criados nós discernimos a Vida habitada da Criação, o poder que dá aos entes criados sua vida - o Espírito Santo.

72) O Espírito santo não está ausente dos seres criados, especialmente não daqueles que de qualquer modo participam da inteligência. Do ser de Deus e do Espírito de Deus, Ele abraça em unidade o conhecimento espiritual de todas as coisas criadas, permeando todas as coisas com o Seu poder, e vivificando sua essência inerente de acordo com sua Natureza. Neste sentido, Ele torna os homens conscientes das coisas feitas pecaminosamente contra a lei da Natureza, e torna-os capazes de escolher princípios que são verdadeiros e em conformidade com a natureza. Assim, nós encontramos muitos bárbaros e povos nômades voltando para um modo civilizado de vida e deixando d elado costumes selvagens que eles tinham mantido entre si desde tempos imemoriais.

73) O Espírito Santo está presente incondicionalmente em todas as coisas, pois Ele abraça todas as coisas, fornece tudo para todos, e vivifica as sementes naturais nelas. Ele é apresentado de um modo específico em todos aqueles que estão sob a Lei, e Ele os mostra onde eles quebraram os mandamentos e os instruiu sobre a promessa dada acerca de Cristo. Em todos aqueles que são Cristãos, Ele é apresentado também de outro modo, tornando-os filhos de Deus. Mas em nenhum Ele é plenamente apresentado como o autor da sabedoria exceto naqueles que entenderam, e que pelo seu modo santo de vida tornaram-nos aptos a receber sua presença deificante. Pois todo aquele que não carrega a vontade divina, mesmo que ele seja um crente, ele tem um coração que é uma oficina de demônios, faltando-lhe entendimento, e um corpo que sendo sempre enredado e contaminado pelas paixões, foi hipotecado pelo pecado.

74) Deus, que anseia pela salvação de todo homem e está faminto por sua deificação, murcha a sua vaidade como murchou a árvore infrutífera (cf. Mateus 21: 19-21). Ele faz isso para que possam preferir ser justos na realidade do que na aparência, descartando o manto da exibição hipócrita e perseguindo genuinamente uma vida virtuosa no sentido que o Logos divino quer para eles. Eles então viverão com reverência, revelando o estado de suas almas a Deus de preferência a mostrar a aparência externa de uma vida moral aos seus companheiros.

75) O princípio da realização ativa é uma coisa e aquele do sofrimento passivo é outro. O princípio da realização ativa significa a capacidade natural para atualizar virtudes.  O princípio de sofrimento passivo significa sentir a graça do que está para além da natureza ou a ocorrência do que é contrário à natureza. Pois como não temos uma capacidade natural para o que está acima do ser, nós não temos por natureza uma capacidade natural para o que está sem o ser. Assim nós passivamente experimentamos a deificação pela graça como alguma coisa que está acima da natureza, mas que nós não realizamos ativamente; pois por natureza nós não temos a capacidade de obter a deificação. Novamente, sofremos o mal como algo contrário à natureza que ocorre na vontade; pois nós não temos uma capacidade natural de gerar o mal. Assim, enquanto nós estamos no estado presente nós podemos ativamente cumprir as virtudes por Natureza, já que temos uma capacidade natural para realizá-las. Mas, quando ascendemos a um nível mais alto, nós sentimos a deificação passivamente, recebendo esta experiência como um livre dom da Graça.

76) Nós realizamos coisas ativamente na medida em que nossa inteligência, cuja tarefa natural é cumprir as virtudes, é ativa conosco, e na medida em que há também atividade em nosso intelecto, que é capaz de receber incondicionalmente todo o conhecimento espiritual, transcendendo a natureza inteira dos entes criados, e tudo o que é conhecido, e deixando todas as eras para trás. Nós sentimos as coisas passivamente quando, tendo transcendido completamente as essências inerentes dos entes criados, vem a nós a concepção que está além das coisas, vislumbrando a Causa mesma das coisas criadas, e lá está suspensa a atividade de nossos poderes, junto a tudo o que é por natureza finita. Então, tornamo-nos alguma coisa que em nenhum sentido se limita apenas às nossas capacidades naturais, já que nossa natureza não possui o poder de compreender o que transcende a natureza. Pois as coisas criadas não são por natureza capazes de realizar a deificação já que elas não podem compreender Deus. Apenas a Graça divina é capaz de outorgar uma medida de deificação às coisas criadas. A Graça irradia a natureza com uma luz supranatural e por transcendência de sua glória surge a natureza acima de seus limites naturais.
77) Após este presente estágio de vida, deixamos de realizar as virtudes. Mas, acima do nível das virtudes, nunca deixamos de sentir a deificação pela Graça. Pois a experiência, ou a paixão, que transcende a natureza é sem limites, e assim é sempre ativa e efetiva; enquanto uma experiência, ou paixão, que é contrária à Natureza é sem existência real, e assim é impotente. 

78) As qualidades das virtudes e os princípios inerentes dos entes criados são tanto imagens das bênçãos divinas, e por Deus continuamente torna-se homem. Como o corpo Dele, Ele tem as qualidades das virtudes, e como a alma Dele, os princípios inerentes do conhecimento espiritual. Neste sentido, Ele deifica aqueles que julgar dignos, dando a eles a verdadeira estampa da virtude e concede a eles a essência do conhecimento infalível. 

79) Um intelecto cheio de fé na prática das virtudes é como São Pedro quando foi capturado por Herodes (cf. Atos 12: 3-18). O nome ‘Herodes’ significa ‘feito de pele ou couro’, e assim Herodes significa a lei do couro, ou seja, da vontade da carne. São Pedro é guardado por dois pelotões de soldados e é encarcerado em um portão de ferro. Os dois pelotões significam os ataques sofridos pelo intelecto pela atividade das paixões e o assentimento da mente às paixões. Quando através do ensinamento da filosofia prática, como se com a ajuda de um anjo, o intelecto passou seguro através destes dois pelotões ou prisões, aparece o portão de ferro que conduz à cidade. Este portão significa a obstinada e teimosa união dos sentidos às coisas sensíveis. Não obstante, o portão é aberto automaticamente através da contemplação espiritual das essências inerentes dos entes criados; e tal contemplação então destemidamente impele o intelecto, agora libertado da loucura de Herodes, para as realidades espirituais onde ele verdadeiramente pertence.  


80) O demônio é ao mesmo tempo inimigo de Deus e seu vingador (cf. Salmo 8:2). Ele é inimigo de Deus quando ele em seu ódio por Deus de algum modo adquiriu um amor destrutivo pelos homens, persuadindo-nos por meio dos prazeres sensuais a assentir às paixões que deveriam estar sob o nosso controle, e a valorizar o que é transitório mais do que o que é eterno. Neste sentido ele seduz todo o desejo de nossa alma, separando-nos  completamente do amor divino e fazendo-nos querer ser inimigos dEle que nos fez. Ele é o vingador de Deus quando – agora que nos tornamos sujeitos a ele por causa de nossos pecados – põe a nu seu ódio por nós e exige nosso castigo. Pois nada agrada mais ao demônio do que nos punir. Quando ele não consegue realizar isto, ele forja sucessivos ataques das paixões contra a nossa vontade, e como uma tempestade, ele nos assalta sem piedade, e por permissão de Deus, ele adquire autoridade. Ele faz isso não com a intenção de cumprir algum mandamento de Deus, mas com o desejo de alimentar sua própria paixão de ódio contra nós, a fim de que a alma, afundando enervada pelo peso de suas calamidades pecaminosas, reconheça o ataque violento destas calamidades não como uma admoestação divina mas como causa por sua descrença em Deus.

81) Quando aqueles que adquiriram a estabilidade moral e o conhecimento contemplativo os empregam para a glória humana, apenas transmitem uma impressão superficial das virtudes, e proferem palavras de sabedoria e conhecimento sem realizar as ações corretas; e quando, além disso, eles mostram aos demais sua vanidade por causa destes supostas virtudes e conhecimento, eles então são entregues a dificuldades proporcionais, para que aprendam através do sofrimento aquela humildade desconhecida a eles por conta de sua vazia presunção.

82) Cada demônio promove o ataque desta ou daquela tentação particular de acordo com sua propensão inata. Pois cada demônio é produtivo para um tipo de mal, enquanto outro que seja claramente mais abominável tem uma grande propensão para alguma forma de mal.

83) Sem a permissão divina mesmo os demônios não podem realizar qualquer tipo de mal. Pois é o próprio Deus em Sua providência amorosa que permite o mal, em sentidos apropriados, para infligir vários sofrimentos por meio de seus ministros. O livro de Jó mostra isto claramente, descrevendo como o demônio era completamente incapaz de abordar Jó a menos que Deus o desejasse (cf. Jo 1: 11-12).

84) Uma fé verdadeira é manifesta e ativa. Portanto, aqueles que se esforçam na prática das virtudes, o Logos de Deus se encarna e permite que ele cumpra os mandamentos, como Logos ele o conduz por meio destes mandamentos ao Pai, no qual Ele subsiste por natureza.

85) A reforma da vida, a veneração angélica, o desejo de separação da alma do corpo, e o início da renovação divina no espírito - estes são proclamados veladamente na linguagem do Novo Testamento. Por exemplo, pelo termo 'circuncisão espiritual' a Escritura denota a separação da união apaixonada da alma com o corpo. (cf. Filipenses 3:3; Colossenses 2:11).

86) Já que Deus é cheio de bondade e deseja erradicar completamente de nós a semente do mal - ou seja, o prazer sensual que atrai nosso intelecto para o que não é o amor divino - Ele permite o mal afligir-nos com sofrimentos e castigos. Por este caminho ele limpa o veneno dos prazeres passados de nossa alma; e Ele procura implantar em nós o ódio e o completo asco pelas coisas que pertencem a este mundo e que alcovitam os sentidos apenas, por nos fazer perceber que uma vez que nós os adquirimos nós não ganhamos nada de seu uso, apenas castigo. Pois Ele deseja usar o poder demoníaco do castigo e o ódio aos homens como uma ocasião para o retorno à virtude que eles por sua livre escolha deixaram de lado.

87) É inteiramente apropriado e justo que aqueles que alegremente aceitam as astúcias demoníacas e cometam pecados através de suas próprias volições devam também ser castigados por ele. Pois é por meio das paixões que nós voluntariamente aderimos ao demônio gerador de prazer, e através das experiências que nós sofremos contra nossa vontade as dores que ele inflingi.

88) O intelecto gnóstico e contemplativo é frequentemente comprometido com as duras punições que ele merecidamente sofre das mãos do demônio. E é por este sofrimento que ele pode aprender pacientemente a suportar as aflições ao invés de se distrair arrogantemente com coisas inexistentes.

89) Se aquele que sofre por ter transgredido um dos mandamentos de Deus reconhece o princípio da Divina providência que o cura, ele aceita a aflição com alegria e gratidão e corrige a falta pela qual está sendo disciplinado. mas se ele é insensível a este tratamento, ele é justamente privado da Graça que lhe foi dada e é entregue à turbulência das paixões; é abandonado para que possa adquirir por labor ascético aquelas coisas que interiormente anseia.

90) Uma pessoa que, conhecendo quais faltas cometeu, voluntariamente e com a devida gratidão suporta o julgamento dolorosamente que lhe recai como uma consequência destas faltas, não é exilado da Graça ou de seu estado de virtude; pois ele se submete voluntariamente ao jugo do rei da Babilônia (cf. Jeremias 27:17) e paga seu débito por aceitar os castigos. Neste sentido, enquanto permanece em um estado de graça e virtude, ele paga o tributo ao rei da Babilônia não apenas com os sofrimentos que lhe foram aplicados, que nasceram do lado apaixonado de sua natureza, mas também com o assentimento mental a estes sofrimentos, aceitando-os como lhe é devido na conta de suas ofensas. Através de veneração verdadeira, pela qual eu quero significar uma disposição humilde, ele oferece a Deus a correção de suas ofensas.

91) Se você não aceita com gratidão as provações que, pela pela permissão de Deus, lhe são infligidos para a sua correção, e não se arrepende ou se livra de sua opinião presunçosa de que você está certo, você estará à mercê do cativeiro, algemas, cadeias, fome, morte, espada e habitará um completo exílio de sua terra natal; pois você resiste às justas penalidades decretadas por Deus e se recusa a se submeter voluntariamente ao jugo do rei da Babilônia, como Deus ordenou. Banido neste sentido de seu estado de virtude e conhecimento espiritual como de sua terra natal, sofre-se todas estas coisas e outras mais, porque em seu orgulho e vã presunção recusa-se a pagar por suas ofensas e a "deleitar-se nas aflições, calamidades e dificuldades" (cf. 2 Coríntios 12:10) como disse São Paulo. Pois nós sabemos que a humildade produzida pelos sofrimentos corporais salvaguarda os tesouros divinos da alma; e por esta razão ele estava contente e suportava pacientemente, tanto por sua própria salvação quanto por causa daqueles para quem ele serviu como um exemplo de virtude e fé, de modo que eles sofressem quando fossem culpados, como os Coríntios que foram censurados (cf. 1 Coríntios 5: 1-5), e assim pudessem seguir o exemplo dele que sofreu inocentemente, como um encorajamento e um modelo para a paciência.

92) Se, ao invés de se deter um pouco na aparência exterior das coisas visíveis apresentadas aos sentidos, você procurar contemplar com seu intelecto as essências inerentes, vendo-os como imagens de realidades espirituais ou como princípios internos dos objetos sensíveis, você será ensinado de que nada do que pertence ao mundo sensível é impuro. Pois por natureza todas as coisas criadas são boas (cf. Gênesis 1:31; Atos 10:15).

93). Aquele que não é afetado pelas mudanças nas coisas sensíveis pratica as virtudes de um modo que é verdadeiramente puro. Aquele que não permite que as aparências externas das coisas sensíveis se imprimam em seu intelecto receberam a verdadeira doutrina dos entes criados. Aquele cuja mente foi despida da influência das coisas criadas, como um verdadeiro teólogo, fechou-se para o Uno em direção ao verdadeiro desconhecimento.

94)Todo intelecto contemplativo que tem a 'espada do Espírito que é a Palavra de Deus' (Efésios 6:17), e que cortou em si mesmo a influência do mundo externo, atingiu a virtude. Quando lhe foram excisadas as imagens do mundo sensível, ele encontrou a verdade existindo nas essências inerentes das coisas criadas que é o fundamento da contemplação natural. E quando ele transcendeu o ser das coisas criadas, ele receberá a iluminação da Unidade não originada e divina que é o fundamento do mistério da verdadeira teologia.

95) Deus revela a Si mesmo em cada pessoa de acordo com o modo de percepção de cada um. Para aqueles que aspiram transcender a complexa estrutura da matéria, e cujos poderes psíquicos estão plenamente integrados em uma rotação incessante ao redor de Deus, Ele revela a si mesmo como Unidade e Trindade. Neste sentido ele tanto mostra Sua própria existência quanto misticamente mostra  modo em que aquela existência subsiste. Para aqueles cuja aspiração é limitada à complexa estrutura da Matéria, e cujos poderes psíquicos não estão integrados, Ele revela não quem Ele é mas como eles são, mostrando que eles são completas presas do dualismo material onde o mundo físico é pensado como composto de matéria e forma.

96) São Paulo se refere às diferentes energias do Espírito Santo como diferentes dons da Graça, estabelecendo que eles são todos energizados por um único e mesmo Espírito Santo (cf. 1 Coríntios 12:11). A 'manifestação do Espírito' (1 Coríntios 12:7) é dada de acordo com a medida da fé de cada um através da participação em um particular dom da Graça. Assim, cada crente é receptivo à energia do Espírito em um sentido correspondente ao seu grau de fé e ao estado de sua alma; e esta energia garante a ele a capacidade necessária para cumprir algum mandamento em particular.

97) A uns é dado o dom da sabedoria, a outros o dom do conhecimento espiritual, a outros a qualidade da fé, e a outros diversos outros dons do Espírito enumerados por São Paulo (cf. 1 Coríntios 12: 8-11). No mesmo sentido, uma pessoa recebe através do Espírito, de acordo com o grau de sua fé, o dom daquele perfeito e direto amor de Deus que é livre de toda a materialidade; outro, através de dom do Espírito, recebe o dom do amor perfeito pelo seu próximo; outro recebe alguma outra coisa do mesmo Espírito. Em cada um deles, como eu disse, o dom que conforma com seu estado é energizado. Pois toda capacidade para cumprir o mandamento é chamado um dom do Espírito.

98) O batismo do Senhor (cf. Mateus 20:22) é a mortificação completa de nossa propensão ao mundo sensível; e o cálice é a recusa de nosso modo presente de vida por causa da verdade.

99) O batismo do Senhor tipifica os sofrimentos que nós voluntariamente abraçamos por causa das virtudes. Através destes sofrimentos nós nos purificamos das manchas que maculam nossa consciência e literalmente aceitamos a morte de nossa propensão para as coisas visíveis. O cálice tipifica os castigos involuntários que nos atacam na forma de circunstâncias adversas por causa da perseguição da verdade. Se ao longo desta provação nós aumentamos nosso desejo por Deus mais do que pelas coisas naturais, nós voluntariamente submetemos à morte a natureza que nos conduziu a estas circunstâncias.

100) O batismo e o cálice diferem neste sentido: o batismo por causa da virtude mortifica nossa propensão para os prazeres da vida; o cálice nos faz nos devotarmos mais à verdade do que à natureza.